"Estamos presos a uma inescapável rede de mutualidade, entrelaçados em um único tecido do destino. O que quer que afete um diretamente afeta a todos indiretamente." Martin Luther King Jr.
Nesta semana, mais especificamente dia 16 de março, farei um ano em que estou no ambiente de home office tanto nas aulas, como nas consultorias. Por que este dia me marcou?
Estava em fevereiro de 2020 com uma turma do curso técnico de Administração da Instituição em que trabalho, exatamente no módulo de Finanças onde, no conteúdo, eles aprendem os fundamentos contábeis, cálculos dos indicadores econômicos e financeiros e a análise dos resultados apresentados.
Tenho por hábito, desde que entrei na vida acadêmica em 2009, que os alunos aprendam a contabilidade, finanças pessoais e gestão financeira de forma prática e não vejo um ambiente melhor para isso que o da Bolsa de Valores, pois lá as demonstrações financeiras das empresas de capital aberto são públicas, divulgadas trimestralmente, além também de ficarem disponíveis todas as políticas de Governança Corporativa, Estrutura Organizacional etc. dentro dos sites de RI (Relações com os Investidores, além de ser um mercado extremamente dinâmico e um termômetro das questões econômicas e políticas, tanto internas como global.
Com esta turma do curso técnico não foi diferente a proposta, mas totalmente diferente o contexto. Cada um escolheu uma empresa listada na Bolsa onde foram estabelecidos alguns critérios para as escolhas, com base na análise fundamentalista (quem não conhece este conceito segue o link da Infomoney bem didático para compreensão).
Algumas notícias vinham da Ásia sobre a Covid19, Europa com aumento no número de casos e internações, porém nada muito alarmente para os demais continentes. No canal a cabo da CGTN recebíamos notícias de lockdown, pessoas usando máscaras, porém aqui no Brasil ritmo estava normal inclusive, pensando em férias, turismo e carnaval, do que se prevenir como Nação para uma possível pandemia de proporções alarmantes.
Já em em fevereiro, os alunos, após realizarem as análises fundamentalistas, começaram a acompanhar os resultados das cotações na Bolsa e aguardarem as novas demonstrações financeiras das empresas, ref. o fechamento de 2019.
O mercado sofre sua primeira ressaca pós-carnaval. Na quarta-feira de cinzas a Bolsa cai 7% em um único dia. Na aula de quinta os alunos estavam espantados ao perceberem que a maioria das cotações das empresas escolhidas estavam caindo e aí veio uma pergunta: Professor, o que está acontecendo?
Falamos de um mercado e economia globalizados onde, rapidamente, o que acontece em um determinado país ou continente pode surtir efeitos também imediatos em outras economias, principalmente nas emergentes. Também falamos da covid-19 chegando forte na Europa e não mais apenas na Ásia, a crise interna ainda dos efeitos de 2019 e possíveis consequências em nosso país das restrições lá fora. Os alunos começaram a perceber que mesmo as empresas genuinamente nacionais, sofriam (ou sofreriam) as consequências do que estava por vir. Por incrível que pareça, a apresentação das empresas e seus resultados estavam programadas para o dia 16/março/2020. Meu pedido para a atividade é que eles sempre atualizassem as cotações até o dia da apresentação.
Eu que sou uma pessoa que gosta demais do mercado de ações, não tive período pior em minha trajetória acadêmica para "estimular" os alunos a compreenderem as demonstrações financeiras e o desempenho das ações na Bolsa que àquele mês de março. Observem o gráfico abaixo do site Investing sobre o desempenho da Bolsa na primeira quinzena de março:
O Brasil parecia que tinha esperado o carnaval passar, para abrir o tsunami de notícias ruins que afetariam o país e a pauta da mídia passou a ser a pandemia. Pessoas infectadas, entrevistas com profissionais da saúde, possíveis medidas restritivas etc. Lembro até hoje, naquele assustador março de 2020, que assisti uma entrevista do Rodrigo Bocardi, no Bom Dia São Paulo da Rede Globo, com um jogador de futebol de salão que estava vindo da Itália e que estranhou, ao descer no Aeroporto Internacional de Guarulhos, de não ter nenhuma medida de cuidado ou cobrança com os que estavam chegando de outro país (uso de máscaras, medição de temperatura etc.), pois na Europa a situação estava crítica.
Na semana anterior às apresentações, conforme eu recebia notícias específicas do mercado financeiro, compartilhava com os alunos na sala de aula inclusive que, aquilo que estávamos estudando desde fevereiro, era o melhor exemplo prático de Economia e de risco sistemático que, infelizmente, estávamos presenciando e tinha chegado no Brasil.
Dia 16/março/2020 os alunos estavam apresentando as demonstrações financeiras das suas empresas, mas que estavam naquele momento em total contradição com o que estava acontecendo na Bolsa, pois de um lado tínhamos empresas sólidas (inclusive algumas centenárias), com excelentes indicadores e modelos de gestão, porém o preço das ações estava derretendo. Naquele dia, conforme você podem verificar na tabela acima, a Bolsa caiu 13,92%. No intervalo da aula, recebo o comunicado que a Instituição suspenderia as aulas presenciais devido o lockdown.
Volto para a sala de aula e comunico a turma sobre a suspensão das aulas e aí uma aluna fala: professor, chegou a nossa vez né? (até hoje, ao lembrar desta cena eu me emociono) e respondo: Sim!
A segunda parte da aula continuou com as apresentações, com a queda expressiva da Bolsa, mas estávamos com sentimentos de silêncio, de perplexidade e de incerteza sobre o que estava por vir (lembro da mãe de uma aluna, enviando uma mensagem para ela trancar o curso, pois estava com medo dela ser infectada), mas ao mesmo tempo de conhecimento, pois vários já tinham falado até para as suas famílias o que poderia acontecer em nosso país. Uma coisa foi marcante neste dia, pois a maioria já tinha se preparado para um possível ensino remoto, pelo menos por 15 dias, mas isso acabou indo até o final do curso da turma. (Não tinha mínima noção que seria a última vez que os encontraria de forma presencial)
Tive vários e gratificantes momentos marcantes nesta minha jornada acadêmica, de quase 13 anos e, do outro lado, também alguns dias difíceis, porém o dia 16 de março de 2020 tem um espaço específico em minhas memórias que eu não consigo nominar o sentimento, pois mexeu demais comigo.
Aos leitores habituais peço desculpas, pois hoje o foco do blog não foi nas finanças pessoais, nem nas empresariais, e também sem o resumo semanal do mercado financeiro. Hoje quis tratar apenas de uma história, de um dia, de uma data e de uma imagem.
Uma ótima semana para todos!
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